3 de novembro de 2013

Quem sabe a felicidade goste um pouco de café

Passei pela porta de trás da casa da avenida 7. Não que eu não queria ser vista, nem nada, mas é que eu queria quebrar minha rotina. Entrar, cumprimentar o porteiro, guardar o carro, pegar as chaves, subir as escadas, abrir a porta, trancar a porta, fazer café. Nem gosto de café, mas tenho essa mania de fazer caso houver alguma visita ou algo do tipo. O único problema - e o qual eu nunca parei para pensar - é que ninguém nunca vem me visitar. Nunca. Nunquinha.
Posso parecer estúpida, mas pensei, de verdade, que se eu chegasse a pé, passasse sem que o porteiro me visse, subisse pelo elevador, deixasse a porta do apartamento aberto, que se eu entrasse pela porta de trás e não fizesse café, minha rotina poderia ser diferente. Talvez alguém que não goste de cafeína me visitaria e perguntaria como andam as coisas e até me convidaria para comer algo no barzinho do Seu Gordo ali da esquina da avenida 7. Talvez eu recebesse uma visita de um velho e bom amigo que me perguntaria se eu lembro de algo que aconteceu na tarde fria de uma quinta-feira do ano de 1900 e bolinhas e que pudéssemos rir e rir dos casos mais antigos. Talvez, só talvez, eu poderia receber uma encomenda de uma amiga que se mudou do país há um tempo atrás ou até uma carta de um amigo que foi fazer um curso de inglês no Texas. Seria bom receber uma visita. Poderia ser uma daquelas inesperadas, sem aviso prévio, sem desculpas esfarrapadas. Uma visita do tipo "oi, tudo bem? Passei só pra saber como você tá". Eu passaria a chamar minha rotina de vida e não mais de rotina. Mas o problema é que eu não recebo visitas. Eu simplesmente chego, cumprimento o porteiro, guardo o carro, pego as chaves, subo as escadas, abro a porta, tranco a porta e faço café. Seria tão bom se alguém me visitasse. Melhor ainda se alguém pudesse quebrar a minha rotina sem eu precisar deixar a porta aberta, entrar a pé, ignorar o porteiro ou coisa do tipo ou muito menos deixar de fazer café. Seria melhor ainda se você me visitasse. Talvez o amor tá batendo na minha porta querendo entrar e eu tô aqui reclamando de visita nenhuma. Talvez minha visita está esperando que eu a visite, e eu tô aqui reclamando do meu café mal preparado. Talvez você esteja na porta com um buquê de flores e eu tô aqui reclamando dessa monotonia. Talvez, só talvez, minha rotina possa ser quebrada por você. Talvez você veio fazer isso, mas eu tô aqui reclamando desse maldito dia-a-dia. E, ó, me desculpe, mas eu vou ali ver se tem alguém na porta. Talvez a felicidade adoraria uma xícara de café.